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Saulo Vasconcelos fala da vida em Portugal e do sucesso de seus projetos longe de casa

Morando em Coimbra há quase dois anos, portugueses já puderam vê-lo em shows e musicais

Saulo Vasconcelos é um daqueles nomes do teatro musical brasileiro que apenas sua menção já traz o público a lembrança de performances emocionantes e grandes espetáculos. O ator, cantor e diretor fez parte do segundo momento de “boom” dos musicais no Brasil, iniciado por volta dos anos 2.000 e também é parte do grupo que podemos chamar de “escola de Brasília”: profissionais de alta performance como ele, Sara Sarres, Fred Silveira e Paula Capovilla, que estiveram presente em produções de musicais internacionais em solo brasileiro.

Debutou internacionalmente em 1999 já como protagonista de “O Fantasma da Ópera”, no México, vindo a seguir carreira no Brasil. Saulo foi presença em obras como “A Bela e a Fera” (2002-2003), “Aida” ( o musical da Disney, em 2008) “Cats” (2010), “Mamma Mia” (2011), “A Noviça Rebelde” (2009), a primeira montagem de “Les Misérables” no Brasil (2001) e “A Madrinha Embriagada” (2013). Contudo, foi na primeira montagem nacional de “O Fantasma da Ópera” (2004 – 2006) que o ator conquistou o público brasileiro com todo talento e maestria necessário para a interpretação de um personagem que já se tornou sinônimo da categoria teatro musical.

Em meio a toda esse trabalho no teatro, Saulo ainda ficou sua bandeira no cinema por meio da dublagem brasileira do personagem “Maui”, um dos protagonistas da animação da Disney “Moana – Um Mar de Aventuras“, o que trouxe sua referência e voz para a nova geração de fãs de musicais.

Após lançar sua biografia intitulada “Por Trás das Máscaras” em 2018, onde descortina os bastidores de sua carreira e os processos de construção de personagens como o Fantasma e Javert, ambos ícones culturais, Saulo se lançou em mais uma aventura: mudou-se com sua família para Portugal e vem se destacando no cenário local. E você conhece os detalhes dessa virada na vida do ator nesta entrevista, em que ele fala sobre a vida durante a pandemia e a descoberta criativas de espetáculos recentes, como o sucesso “Hamilton”. No final, tem ainda uma surpresa inesperada para você, leitor do B!

B! Como foi a decisão de mudar de país? O que buscou nessa mudança?

SV: A ideia de mudar de país começou há uns quatro, cinco anos atrás. Minha esposa, Louise, já tinha muita vontade de ter uma experiência internacional, eu já tinha tido no México, mas eu não estava tão animado assim,  aí com a perspectiva política na época eu pensei assim ‘- Cara, acho que o Brasil vai estar mais complicado nos próximos anos, e não querendo desistir do meu país incrível, mas quero buscar melhores oportunidades, porque a coisa não promete ser das melhores’. E aí comecei a ver opções, o Canadá foi uma delas, mas aí nós desistimos por causa do clima, que é muito frio, a sociedade também é muito distante da nossa, sabe? É muito mais evoluída em alguns sentidos, claro, país de primeiro mundo, pessoas com muito acesso a educação e cultura, mas ao mesmo tempo mais frias, mais distantes, menos calorosas. E aí Portugal pintou com uma outra opção, a gente veio pra cá fazer um reconhecimento e ficamos encantados.

B! O que achou que seria difícil e não foi, e o que achou que seria fácil e não foi?

SV: Eu achei que seria mais difícil, num primeiro momento, conseguir me inserir no mercado de trabalho, mas me surpreendi com o contrário. A Carol Puntel – amiga de palco no Brasil e também aqui – tinha bons contatos locais. Quando vim à Portugal divulgar meu livro convidei ela para participar de um pocket show da divulgação e a gente se reconectou, ela tinha bons contatos de teatro, mas ainda assim achei que seria mais difícil o trabalho aqui. Já o que pensei que seria mais fácil foi a adaptação, como família, por causa da qualidade de vida. Muito se sonha né? Quando estava no Brasil pensava o quanto Portugal era maravilhoso, perfeito, com sua qualidade de vida, sua segurança, e isso tudo é verdade, não tem discussão. A qualidade de vida aqui é muito maior do que em São Paulo, por exemplo, o trânsito aqui não existe, você cruza a cidade inteira em 15 minutos, coisa que em São Paulo se faz em uma hora. Tudo fazia parecer que seria mais fácil, porém não foi, porque a gente sentiu, e ainda sente, saudade da família, dos amigos, das músicas, até mesmo do Fantástico no domingo (risos), faz falta ligar a televisão, olhar o jornal e não me identificar. É isso. Uma coisa de identidade. Achei que me adaptaria mais rápido, mas a identidade brasileira nessas horas pega um pouquinho, o coração sempre bate mais forte quando a gente pensa no Brasil.

B! Como vê a arte e o Teatro Musical em Portugal?

SV: A cultura aqui é muito rica. Portugal é um país velho, no melhor dos sentidos, e por isso tem muita história, é um lugar onde a arte transborda. Lisboa e Porto são grandes centros culturais em todos os sentidos, com Museus, teatros, festivais, shows, centros históricos, mas o país como um todo tem várias possibilidades artísticas, a exemplo de sua arquitetura, com mais de 400 castelos, para qualquer lado que vá você vê a arte em suas diversas formas, sabe? Por ser um país pequeno acho que ele preserva a sua história de uma forma muito legal e bonita. O teatro musical, por outro lado, não é forte como no Brasil, no sentido de ter grandes produções, mas isso não por falta de gente interessada em fazer ou por falta de talentos para fazer, e sim por falta de estrutura, infraestrutura, patrocínio e apoio. Acho que uma lei, como o que era a Lei Rouanet, faria muita diferença aqui, por isso digo que Portugal ainda não atingiu seu máximo potencial, mas tenho certeza que vai atingir um dia.

Saulo em frente à fachada do Theatro Circo, em Braga, Portugal

B! Nesse tempo de morada lusitana você apresentou um show, dirigiu e atuou em um espetáculo, já levou um pouco da sua arte. Como surgiu a ideia desses projetos todos e como foi a recepção deles?

SV: Foi tudo muito ‘fácil’ no sentido de aceitação. O primeiro projeto que surgiu foi o show ‘Best of Broadway’, com a Carol (Puntel), pensado ainda à distância, ela aqui e eu no Brasil. Queríamos fazer um espetáculo curto, para testar a receptividade, algo que fosse simples de executar, fácil de rodar o país, porque ela já tinha me falado que turnês funcionam muito bem aqui, você lança o produto em Lisboa, as câmaras municipais compram os espetáculos, então isso é muito legal e deu certo, porque eu mal cheguei aqui e já estava com um projeto encaminhado, grande, e que dura até hoje.

Ao lado de Carol Puntel em “Best of Broadway”/ Foto Acervo pessoal de Saulo

Coimbra, onde vivo, também me abraçou e conheci, através de um amigo, Diogo Carvalho, a companhia de teatro infantil Atrapalharte, e foi quando surgiu o segundo projeto. Eu entrei em contato com o dono da companhia, que super confiou em mim e comprou a ideia de fazermos um espetáculo juntos, o musical ‘Velhos são os Trapos’, que foi meu primeiro processo criativo aqui. Eu escrevi, fiz as músicas, os arranjos todos e dirigi uma boa parte do espetáculo, o que foi o ponto mais intenso pra mim, gostoso, porém trabalhoso, porque em Coimbra, onde vivo, as coisas são muito simples e tive que realmente ir atrás de tudo, cenário, figurino, ensinar as pessoas a se maquiarem, dirigir as cenas. Lançamos ele em um Festival de teatro com toda confiança e foi muito legal, não deu um grande retorno financeiro, mas isso não importa, porque pra mim foi um aprendizado absurdo. A recepção sempre foi muito positiva.

Bastidores de “Velhos São Trapos”/ Acervo pessoal de Saulo
B! O show com a Carol Puntel reúne sucessos da Broadway. E o musical, sobre o que fala?
(Saiba mais sobre o show aqui!)

SV: A peça é a história de dois velhinhos que são muito amigos e moram juntos num Centro De Dia – como se chama aqui o que seria um asilo -, e de uma auxiliar social – enfermeira – que cuida deles. Um dos velhinhos é apaixonado por essa enfermeira, mas de forma platônica. Ele teve uma vida boêmia, nunca foi muito bem sucedido num relacionamento, não teve filhos, então acho de certa forma, e de forma leve, porque embora tenha certa profundidade, uma tridimensionalidade, não deixa de ser uma comédia, ele projeta nessa paixão platônica um pouco da frustração que tem pela vida, ao se ver sozinho ao final dela. Já o meu velhinho, diferente dele, foi realizado, teve filhos, um casamento feliz, só que a mulher partiu e ele também se encontra sozinho, porém numa outra situação, já que ele sim viveu uma vida plena nesse sentido. Então eles se complementam como amigos e fazem com que as horas do dia sejam mais suportáveis, brigam muito, claro, mas isso os mantém vivos, e daí vem a comédia, entre momentos de reflexão, onde se fala de coisas muito existenciais. O espetáculo conta com uma trilha composta por 10 músicas, sendo alguns rock’s e muitos fados portugueses, a maioria deles de banda local, ‘Xutos & Pontapés’, que escolhi depois de muita pesquisa e um bom chute, porque não conhecia quase nada da cultura portuguesa. O público gostou muito, davam boas risadas, choravam, a receptividade foi uma delícia.

B! Os portugueses têm conhecimento sobre ‘quem é o Saulo Vasconcelos’, considerando sua relevância para o Teatro musical brasileiro?

SV: O fenômeno da internet é muito interessante, porque qualquer pessoa que dá um Google descobre algumas coisas minhas e isso às vezes muda a perspectiva. Num primeiro momento podem falar ‘- Ah tá, legal, prazer!’, mas aí depois vão lá fuçar e no dia seguinte já falam ‘- Nossa, poxa, eu vi que você fez um monte de coisa no Brasil, foi o Fantasma, você dublou Moana, né?’, e se mostram muito mais interessados, impressionados, do que num primeiro momento, o que tudo bem também, faz parte. Então posso dizer que graças a internet minha credibilidade aqui atingiu bons níveis rapidamente, porque as pessoas que trabalharam comigo tiveram muitas provas sociais, referências que validaram e valorizaram minha posição na sociedade portuguesa. Mas claro que depois eu também ia lá fazer valer o voto de confiança, porque poderia ser também uma cilada, né? A pessoa acreditar em mim, confiar e no final das contas ser uma decepção. Nessa parte também fiz questão de me empenhar muito, porque como eu já tinha trabalhado no exterior antes, sei o quanto é importante estar num outro país e representar bem o teu, o teu povo, ser tratado com respeito, ser levado e entendido com seriedade.

B! Como enxerga o atual cenário cultural, de modo geral?

SV: Aqui, por conta da pandemia, o cenário cultural está muito mal. Estamos em crise cultural porque há uma crise de medo, das pessoas quererem voltar às salas de espetáculos e cinemas. Eu falo de salas de espetáculo porque trabalho com isso diretamente e falo do cinema porque também é uma forma de arte, mais barata e popular, e no entanto as salas aqui estão vazias. Outro dia minha esposa foi ao cinema e tinham três pessoas: ela e nossas filhas. Mas de modo geral acho que o cenário cultural inspira preocupação, cuidado, e temos que ser muito responsáveis nos próximos meses, mantendo a chama viva, as pessoas cientes de que nós estamos aqui, que o teatro não morreu e que ele precisa voltar com toda força, o teatro, a música, o que seja, porque foi exatamente esse tipo de coisa que manteve a sanidade de muitas pessoas em casa nessa época tão psicologicamente perturbadora, diante de uma crise sanitária, uma crise social, uma crise psicológica e uma crise econômica. Nesse momento a cultura sofre com todos esses problemas, direta ou indiretamente.

B! Ao longo da carreira você já fez de tudo, atuou, dirigiu, roteirizou, fez shows, gravou CD, dublou filmes e animações, lançou uma biografia, fez uma série na TV… Tem algo que ainda queira fazer?

SV: Não sei dizer o que ainda tenho vontade de fazer, tenho vontade de fazer tudo. Eu sinto que ainda tenho vontade de fazer tudo. O que vier eu faço, desde que seja relevante, que me permita evoluir, que seja gratificante, e desde que pague as contas também (risos). Eu não pensei que um dia iria roteirizar, que ia fazer show,  gravar um CD, que ia dublar filme, animação, trabalhar com cinema, fazer TV, enfim, isso foi acontecendo porque eu estou sempre disposto, sempre disponível. Então o que vier eu tô fazendo, desde que cumpra esses requisitos acima, claro. 

B! E os planos futuros?

SV: Não sei, eu vou para onde a vida me leva e aonde eu chego eu planto raiz, começo a fazer contato. É gostoso saber que depois de tanto tempo eu não morri, sabe? Eu não morri pra coisa. Eu me sinto ainda com muita fome, com muita vontade de fazer, de acontecer e de fazer a diferença pro meu nicho. Não fazer diferença de querer ser o centro das atenções, mas de querer fazer a diferença ali, no trabalho de formiguinha, que às vezes não necessariamente tem muito reconhecimento, mas que vai ter um valor de transformação muito grande. Então eu tô aberto a planos futuros, tudo é possível. Eu morava no Brasil antes de vir pra cá, queria vir pra cá meio que fugindo um pouquinho dos problemas do Brasil, das dificuldades do Brasil como sociedade, mas eu sempre vou estar cheio de energia para ter novas ideias e fazer acontecer onde quer que eu esteja.

B!COVER


Você gravou um cover exclusivo para o B! que une dois musicais de bastante evidência na Broadway: ‘Hamilton’ e ‘Dear Evan Hansen’. Teve oportunidade de assistir aos musicais? Acha que estas ‘novas produções’ são muito diferentes do que vêm fazendo sucesso há décadas? 

SV: Eu não vi nenhum dos dois, porque não tive a oportunidade de ir a Nova Iorque e porque eu prefiro o ao vivo, ter a experiência do ao vivo, do que assistir esses ‘proibidões’. Essas novas produções com certeza são muito diferentes, principalmente ‘Hamilton’ – o meu cérebro deu um nó. No começo eu resisti, pelo rap, mas quando escutei pela primeira vez fui entendendo melhor, vi que era uma obra prima, e realmente é, tanto que ganhou um Pulitzer, um Oscar da Literatura –  e ele poderia ser uma obra literária mesmo, de tão bem escrito que é. É de pirar o cabeção (risos). E sim, principalmente ‘Hamilton’ está trazendo uma mudança radical para o gênero com o uso do rap, que é uma linguagem extremamente contemporânea, oposta a linguagem extremamente de época do espetáculo em si. Então o mais legal é que, não só trouxe o rap, mas, como contraponto, a linguagem de uma uma coisa que conta a história dos fundadores da América, dos Estados Unidos, algo muito interessante, pois a história é muito bem contada, o texto e os atores são incríveis, há um valor de produção e de arte muito grande ali. Já ‘Dear Evan Hansen’ acho que tem um valor musical muito bonito e interessante, mas, não desmerecendo, acho que o espetáculo em si, como dramaturgia, está um pouco mais dentro da normalidade. Ele é muito incrível, mas eu não consideraria uma obra prima.

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Grazy Pisacane

Jornalista Cultural e Assessora de Imprensa, especializada há 10 anos no mercado de teatro musical.

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