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“O artista negro só protagoniza quando a história pede”, diz Guilherme Leal sobre o teatro musical

Ator bateu um papo com o B! e falou da carreira, dos novos projetos e deu sua visão sobre o movimento do 'blind cast'

A arte sempre acompanhou o ator Guilherme Leal e o pontapé inicial para sua especialização foi aos 11 anos, quando ele começou a estudar música. Além de tocar guitarra e piano, ele se formou em regência coral. O teatro foi incentivado na escola, local em que pode explorar a paixão por atuar e ser dramaturgo. Em 2007, o artista foi apresentado aos musicais por um professor e, no ano seguinte, ele já estava fazendo seu primeiro curso na área. “Daí pra frente foi só ladeira acima”, brincou o ator que, em entrevista exclusiva ao B!, falou da carreira, dos planos futuros e da falta de oportunidades para artistas negros no teatro musical.

Antes de subir nos palcos como ator, Guilherme se tornou professor e começou a dar aulas na escola 4act incentivado por Rafael Dantas, o professor que o apresentou ao teatro musical. “Entre dar as aulas dentro do estilo musical e começar a perceber o mercado, comecei a prestar as primeiras audições e, mesmo com os muito ‘nãos’ do início da carreira, percebi que era algo que eu queria agregar à minha profissão de músico.”

Guilherme Leal
Guilherme Leal nos bastidores de “O Rei Leão”

O primeiro “sim” aconteceu em um dos maiores sucessos da Disney na Broadway, o espetáculo “O Rei Leão”, montado no Brasil em 2013. “Tenho o orgulho e a honra de poder dizer que meu primeiro musical profissional foi o que eu sempre quis fazer, o que eu sempre amei ouvir e que é o maior da história do teatro musical em bilheteria e produção. Assumi a hiena Banzai nos quarenta e cinco do segundo tempo, faltando pouco mais de dois meses para terminar a temporada, mas tinha uma agenda de sete sessões por semana, às vezes oito, fiz quase 50 sessões”, contou Guilherme com orgulho.

Confira o cover exclusivo que o ator Guilherme Leal fez para o B! da música Shadowland, do musical “O Rei Leão:

 

Depois disso, o ator integrou no elenco dos musicais “Rent”, “Castelo Rá-Tim-Bum – O musical”, “Musical Popular Brasileiro”, “Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812”, “Carmen A Grande Pequena Notável”, “Escola do Rock” e, atualmente, faz parte do elenco de “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate”, que ainda não tem previsão de estreia por conta da pandemia. Entre os personagens dos sonhos está a divertida e representativa Lola, de “Kinky Boots”.

Falta de oportunidades

Mesmo com uma vasta formação, que inclui um curso imersivo na Pearl Studios, em New York, Guilherme ainda sente dificuldade de conseguir papeis de destaque por conta de padrões que geralmente são estabelecidos nas audições. “O conceito de blind cast ou elenco sem cor está apenas começando na história dos musicais norte-americanos, que é o berço dos grandes musicais e que serve de exemplo para os outros países, seja em formato ou em exportação. Se lá ainda está começando, por aqui ainda estamos a muitos passos de conquistar isso, os protagonistas ainda sofrem o fator padrão europeu de beleza.”

Para o ator, os personagens que originalmente são brancos na Broadway também são brancos no Brasil – mesmo que a cor da pele do personagem não interfira na história. “O artista negro só protagoniza quando a história pede que ele seja obrigatoriamente negro ou se estiver em uma figura estereotipada. Muitas vezes nem mesmo a partitura é escrita para uma voz de um cantor negro. Estamos longe da mudança e a principal questão a ser encarada agora é: colocar atores e atrizes negrxs como protagonistas não é ser ‘cool’ ou ser ‘diferente’, se o artista atende às necessidades para o papel, tecnicamente e artisticamente falando, porque não considerar esse artista para um protagonista?”, indaga o artista.

Um dos desejos de Guilherme é que atores negros parem de sonhar apenas com papeis em espetáculos como “O Rei Leão”, “Memphis”, “A Cor Púrpura”, “Once on This Island” e “Dreamgirls”. “O mais engraçado é que só dois desses musicais vieram ao Brasil”, ressaltou o artista.

Dificuldades na pandemia

Com os teatros fechados, Guilherme decidiu que era hora de reinventar na profissão. “Depois de um mês em casa, decidi começar a tocar projetos pessoais como a montagem de um home studio e retomar o meu trabalho como vocal coach. Estou me lançando na produção musical agora ‘graças’ à pandemia e tiro dessa situação a sensação de reciclagem e reinvenção”, pontuou o ator.

Mesmo antes da pandemia causada pela Covid-19, o ator já previa uma instabilidade no setor cultural. “Desde os primeiros sinais de entrada desse governo no nosso país, eu sabia que a gente ia enfrentar um cenário sombrio, apesar de tudo de ruim que até agora nos assola como a falta de recursos e a clara sabotagem proposital à classe artística, confio no poder de sobrevivência da arte! Estamos aqui, resistindo e quando a arte voltar ao seu lugar aos olhos da importância de um governo justo, honesto e decente, vamos estar preparados e mais brilhantes que nunca. Não são só palavras bonitas, eu acredito mesmo nisso”, finalizou.

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William Amorim

Jornalista com trabalho acadêmico de pesquisa sobre a história do Teatro Musical no Brasil, repórter de Entretenimento/Cultura na Jovem Pan, com passagens pelo Portal iG e pela Editora Globo, jurado do Prêmio DID e colunista do A Broadway É Aqui!

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