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“O musical não está pautado no grande, no alegórico e no internacional”, afirma Vitor Rocha

Conheça melhor o ator, escritor e compositor que é uma das promessas do teatro musical brasileiro

Com apenas 22 anos, Vitor Rocha é uma das promessas do teatro musical brasileiro e não é pelo fato do jovem talento ter integrado a famosa lista Under 30 da Forbes. O ator, escritor e compositor já vem há um tempo causando burburinho no cenário teatral. Isso porque, ainda é difícil ver em cartaz espetáculos nacionais cem por cento autorais e é justamente isso o que Vitor se arrisca em fazer. Na contramão dos espetáculos nível Broadway, ele prova que para ter qualidade não são necessárias grandes estruturas.

Vitor não vem de uma família de artistas, o gosto pela arte surgiu através do incentivo de uma professora. “A minha cidade, Jacutinga (MG), na época, tinha 20 mil habitantes, não tinha cinema, não tinha teatro, não tinha livraria, então a chance de eu trabalhar com as três coisas que trabalho hoje era mínima, se não fosse o teatro dentro da escola”, comentou o autor do premiado “Cargas D´Água – Um Musical de Bolso” e dos espetáculos “Se Essa Lua Fosse Minha” e “O Mágico di Ó”.

Nessa época, Vitor ainda não conhecia os musicais Broadway, mas indiretamente já trabalhava com teatro musical. “A escola precisava usar os alunos que faziam canto, dança e interpretação, então misturava todo mundo no mesmo espetáculo. Fui entender o que era o musical no estilo americano bem depois.” Aos 13 anos, ele já tinha claro que queria ser artista e começou a estudar em Campinas. “Eu me formei em teatro antes de terminar o ensino médio, por conta disso, eu demorei para tirar meu DRT, não tinha nem terminado a escola.”

A paixão pela poesia surgiu nessa mesma época – também por incentivo da professora. Chega a ser engraçado, mas Vitor era “péssimo” em redação. “Eu colocava opinião pessoal, rimava e minha professora chamava atenção, dizia que estava errado porque fazia diferente do que era pedido no vestibular”, contou.

Foi então que a professora mudou a estratégia e pediu para que as redações dessem lugar a crônicas e poesias. “No fim do ano, ela veio com tudo o que tinha feito e disse: ‘Toma, você tem um livro ou um monte de peças’. O interessante é que todos os meus espetáculos surgiram de contos que escrevi nessa aula e eu tinha entre 14 e 15 anos.”

Os contos também deram origem ao livro “Casusbelli” que, posteriormente, incentivou Vitor a criar um projeto social. A ideia surgiu após ele contar a história do livro em uma escola pública, as crianças fizeram desenhos no final e uma menina veio até ele com rabiscos em preto e branco e disse: “Meu sonho é ter lápis de cor para pintar esse desenho”. Isso foi o suficiente para o jovem tomar a iniciativa de criar uma campanha de financiamento coletivo na qual as pessoas doavam um valor e recebiam um livro em casa. O valor arrecado era revertido para a compra de material escolar e beneficiou mais de 500 crianças.

Medo transformado em sucesso

“Cargas D’Água” ainda rende bons frutos para Vitor

O tempo foi passando, Vitor finalmente começou entender o que era de fato o teatro musical e vinda para São Paulo foi um percurso quase que natural. “Estudei tudo o que se pode imaginar chegando em São Paulo, tentei trabalhar e entendi que as audições não estão nas mãos do ator, basta você não ser tão amigo assim, ou não ter tantas coisas no currículo, ou ser um pouquinho mais gordo que que você não pega o papel. Entendi que São Paulo funciona igual em Minas, se você quer fazer tem que colocar a mão na massa.”

Com medo das audições, do futuro e de como sobreviver na cidade grande, Vitor decidiu ousar e montar um espetáculo autoral – que ele mal poderia imaginar que seria premiado e montado em Nova York e em Londres. “Com tantos medos, eu resolvi falar sobre isso. Não foi tão consciente assim, mas hoje eu olho e penso que Deus escreve certo por linhas tortas (risos). O ‘Cargas D´Água’ mostrou para muita gente, e para mim também, que o musical não está pautado no grande, no alegórico, no internacional. O musical é uma história que anda através da música. É um jeito muito simples de falar algo muito simples, mas que ninguém tinha feito antes.”

Bate-papo com Vitor Rocha

B!: Como o “Cargas D’Água” foi parar em Nova York e em Londres?

Vitor Rocha: Edu é um produtor amigo meu que estava em São Paulo, temos uma história parecida. Ele foi morar para Nova York e entendeu o mesmo que eu, ou você faz ou você compete com americanos que nasceram fazendo teatro musical. Ele quebrou a cabeça sobre o que montar lá e um dia ele viu uma foto minha com o prêmio Bibi Ferreira e me fez a proposta. Fiquei um tempo na dúvida, com medo da tradução, mas uma amiga perguntou se eu achava que o texto não ia funcionar lá, encarei isso como desafio e pensei que se William Shakespeare escreveu em inglês e a gente chora em português, então deveria tentar. Enquanto isso, uma amiga minha que estava em Londres me ligou falando que estava passando pela mesma coisa e pediu para montar o ‘Cargas’ lá também.

B!: Como foi assistir o seu espetáculo em inglês?

V.R.: Assisti Nova York pessoalmente, foi muito especial, brinco que eu assisti mais a plateia, é muito diferente as reações. Teve uma senhorinha que foi assistir que estava com uma roupa estampada com todos os Playbills da Broadway, logo pensei “nossa que fã de musical”. Quando acabou ela estava chorando muito e, como falaram que eu era o autor, ela veio até mim. Ficou horas falando comigo e no final do papo disse: “Eu nunca vi a alma do ser humano no espetáculo, eu sou muito velha, aposentada, não trabalho mais, eu vejo 11 espetáculos por semana e nunca vi um espetáculo que conseguisse colocar a alma do ser humano no palco”. Eu chorei.

Montagem do “Cargas D’Água” em Nova York

B!: “O Mágico di Ó” é seu mais recente espetáculo, ele acabou virando filme e pode parar no cinema. Como isso aconteceu?

V.R.: Foi muito engraçado, na verdade, porque foi bem simples. O Pedro Vasconcelos, que é o diretor, foi assistir ao espetáculo e quando terminou ele quis falar comigo. Ele se apresentou sem dizer que era diretor da Globo, me deu parabéns e disse: “A gente vai fazer um filme”. Pediu meu telefone, mas não botei muita fé. Aí ele me disse que tinha sido o diretor artístico da série “Hoje é dia de Maria”, aí pensei “eita porra”. O “Cargas” é quase uma homenagem a essa série. Ele me disse que nem sabia o final da peça porque quando começou ele já ficou pensando quantos dias de gravação iam precisar. Depois de uma semana já estávamos gravando.

B!: Como é a sua rotina?

V.R.: Minha rotina está ficando cada vez mais diferente depois do “Cargas”. Atualmente, eu estou cada vez mais em função dos espetáculos que já existem e cada vez menos estou dando aula, algo que sempre fiz. Hoje, tenho que produzir, escrever, gerenciar e estudar, porque se você não se recicla já era. Eu gosto de escrever na minha cabeça, a parte mais chata é digitar tudo o que eu pensei, é o que menos gosto. Eu sempre escrevi quando dava e sempre na última hora, mas não estou podendo mais me dar a esse luxo. Agora, eu tento tirar duas ou três horas por dia para escrever.

B!: Você é um ator regrado?

V.R.: Eu levo muito a sério a preparação nos dias de espetáculo, mas na vida confesso que sou bem displicente porque eu venho de outro lugar. Os atores que atuam em franquias fazem umas seis sessões por semana, não tive essa demanda ainda. No dia de espetáculo, eu sigo uma rotina, vou para o teatro, fico com as pessoas e um ritual que tenho é estudar o texto no dia da apresentação. O engraçado é que só fiz peças que eu escrevi, mas é algo que trago da escola de teatro, sempre levo o texto comigo.

B!: Você parece ser calmo, o que te tira do sério?

V.R.: Sim, eu sou calmo. O que me tira do sério? Atraso, falta de respeito e indisciplina. Os meus colegas de elenco sabem que quando começa a ferver o camarim perto da sessão eu fico irritado. Tem que saber respeitar o tempo de cada um. Também fico irritado quando as pessoas não se concentram no ensaio e ficam no celular. No ‘Mágico’, a maquiagem virou um novo ritual para mim, o dia que eu erro faço a sessão querendo socar todo mundo (risos).

B!: Pode contar alguma curiosidade sobre o seu trabalho?  

V.R.: Um luxo que eu tenho, é uma coisa minha mesmo, é que sou muito fissurado na arte de divulgação dos meus espetáculos. Você vai ver que se comento algo do “Mágico” o coração é sempre amarelo, o roxo é do “Se Essa Lua Fosse Minha” e o azul do “Cargas”, tenho isso. As cores e os objetos são muito importantes para mim. Além disso, todos os meus espetáculos se ligam, é só prestar atenção. É uma escolha minha, gosto de pensar que as peças contam a minha história.

Cena do espetáculo “Se Essa Lua Fosse Minha”

B!: Com a limitação de captação pela Lei de Incentivo à Cultura, acha que o teatro musical será muito prejudicado?  

V.R.: Infelizmente isso vem de cima. Vejo que temos que nos unir cada vez mais, a plateia tem que estar mais presente, ir ao teatro, levar os filhos, ver coisas nacionais. Deixar de trazer espetáculos lá de fora não vai acabar com a cultura no nosso país. Acho que é até uma forma de fazer o produtor e o artista brasileiro sair do lugar comum e começar a criar mais. A gente tem que se reinventar e não achar que vão acabar com a nossa cultura.

B!: Como foi entrar na lista da Forbes?

V.R.: Representa muita coisa, tenho muito orgulho de estar lá ao lado de pessoas que fizeram a diferença, estou entre os três mais novos, mas minha maior alegria é que a maioria das pessoas de artes dramáticas que estão lá já passaram pela televisão, pela Globo, que é a maior emissora do país, mas eu não, o que me levou até lá foi o teatro. É um lugar que a gente não espera chegar aos 22 anos, é uma pressão do caramba, mas é uma honra.

B!: Qual o seu maior sonho?

V.R.: Tenho vontade de escrever músicas para serem tocadas por uma orquestra, fazer uma produção que não fosse tão independente. Queria ter uma orquestra nível Disney para fazer músicas no estilo conto de fadas.

B!: Com quem sonha em trabalhar?

V.R.: Quero muito trabalhar com a Amanda Acosta, ela é do teatrão, faz muita coisa brasileira. Admiro ela pela artista e pelas opiniões dela. Duas artistas que talvez não sejam tão acessíveis, mas sonho em trabalhar é a Nicette Bruno e a Marjorie Estiano, vou jogar para o universo (risos).

B!: Quais são os planos para este ano?

V.R.: Vem espetáculos novos. “A Nossa História”, em parceria com o Coletivo Abrupto. “A Máquina Maluca”, primeira adaptação do livro da Ruth Rocha. “Lugar Nenhum”, que está em processo de criação, mas adianto que é autoral e não será infantil. E “Inês”, outro espetáculo autoral. Também tenho uma vontade de fazer um espetáculo declamando minhas poesias de amor, bem dor de cotovelo mesmo, intercalado com músicas romântica, seria mágico arrastar as pessoas para o teatro para ouvir poesia.

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William Amorim

Jornalista com trabalho acadêmico de pesquisa sobre a história do Teatro Musical no Brasil, repórter de Entretenimento/Cultura na Jovem Pan, com passagens pelo Portal iG e pela Editora Globo, jurado do Prêmio DID e colunista do A Broadway É Aqui!

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