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Myrthes Monteiro: a história da brasileira que vem se destacando no teatro musical europeu

Em um bate-papo exclusivo, a artista relembrou sua trajetória, falou da experiência de viver a Jasmine, em "Aladdin", e lamentou pela forma como a classe artística é tratada no Brasil

Criada em uma família de cantores, Myrthes Monteiro descobriu o que era um musical ainda na infância, assistindo com os pais a filmes clássicos do gênero. Seu principal sonho era ser bailarina, mas cantar também era uma paixão. Sempre próxima a arte, ela também estudou teatro e, aos 18 anos, percebeu que precisava dar um rumo a sua vida profissional. “O amor por todas as artes era muito grande e não tinha como escolher entre elas. Percebi que no teatro musical eu podia juntar todas as minhas paixões e assim decidi que essa era a profissão que eu queria seguir para o resto da vida”, contou a atriz brasileira que hoje brilha nos palcos europeus.

Assim como boa parte dos artistas que hoje são consagrados no gênero, Myrthes não teve uma formação tradicional e todo o seu conhecimento sobre teatro musical veio de estudo próprio. “Nunca fiz uma ‘escola de musicais’. Acho que na minha época nem tinha isso ainda”, falou aos risos em entrevista ao B!. “A minha formação mesmo foi em dança, sou bailarina e professora formada. Aprendi não só ballet, mas jazz, sapateado, contemporâneo, folclore, hip hop, flamenco, fiz aula de anatomia, repertório, música, tudo o que se pode imaginar.”

Já o canto sempre esteve presente dentro de casa, pois, além dos pais, os tios e avós da artista também são músicos. As aulas de canto para aperfeiçoar as técnicas vocais, que são tão exigidas em espetáculos profissionais, começaram anos depois, quando Myrthes iniciou a carreira nos musicais. “Sempre fui muito ativa, fazia teatro, judô, futebol, música, violão, cantava em banda (risos). Acho que tudo isso ajudou na minha formação, pois o teatro musical requer bastante versatilidade”, acrescentou a atriz.

Do Brasil para o mundo

O primeiro espetáculo que Myrthes participou no Brasil foi “O Fantasma da Ópera” – montagem que aconteceu 2005 no Teatro Abril, atual Renault. O engraçado é que ela acabou fazendo a audição por acaso. “Eu não ia fazer o teste, só fui acompanhar uma amiga que ia fazer. Chegando lá, pensei: ‘Ah, já estou aqui, por que não tentar?’. Então fiquei insistindo para deixarem eu fazer também, apesar de não ter mandado nem a pré-inscrição, e de tanto eu insistir, acabaram deixando eu fazer o teste. E não é que eu passei?”, falou aos risos.

No ano seguinte, a atriz participou por um breve período da montagem de outro clássico, “My Fair Lady”, montagem que teve direção de Jorge Takla. “Fiz apenas alguns meses e logo fui chamada para fazer ‘O Rei Leão’ na Alemanha”, disse a atriz que recebeu com grande surpresa a notícia que entraria para o elenco de um dos musicais mais prestigiados no mundo.

“Sempre tive um sentimento que eu iria morar na Europa, mas não teve um momento em que eu realmente ‘decidi’ que iria tentar carreira no exterior, simplesmente aconteceu. Eu fiz o teste em São Paulo para ‘O Rei Leão’ em 2005 e só foram me chamar em 2007, eu nem lembrava mais. Tanto que quando me ligaram, eu achei que fosse trote e desliguei o telefone na cara deles (risos).”

Confira o cover exclusivo que a Myrthes Monteiro fez para o B! cantando She Used To Be Mine, no musical “Waitress”:

Principal barreira no exterior

Dentre as muitas dificuldades que Myrthes passou no exterior, uma das maiores foi e continua sendo o idioma. “O alemão é uma língua muito difícil, não só de se aprender, mas também de se pronunciar. Cantar e atuar em alemão em um palco para milhares de alemães, é, sem dúvida, uma grande responsabilidade e uma pressão extra para nós atores que, naturalmente, já sentimos bastante pressão”, pontuou a artista que quando chegou a Europa para fazer musicais possuía o rótulo apenas de bailarina, mas se desdobrou para mostrar tudo o que era capaz.

Determinada, ela não se contentou em apenas dançar, bateu o pé e levantou a bandeira que bailarinos cantam sim – inclusive em outro idioma. “Aprendi a língua, pratiquei a fonética, batalhei muito e não parei enquanto não conseguisse mostrar todo meu potencial, força de vontade e amor pela arte.” Myrthes conseguiu deixar claro que, além de dançar, sabe cantar e interpretar e já soma grandes papéis, sendo a Jasmine, de “Aladdin”, um marco na sua carreira.

Quando foi anunciada como a princesa de um dos musicais da Disney de maior sucesso na Broadway, a atriz deixou muitos brasileiros de boca aberta e ganhou diversos fãs, que passaram a acompanhar sua carreira aqui do Brasil. “Os fãs brasileiros são simplesmente os melhores do mundo. O carinho e a torcida deles são uma coisa que, com certeza, vai ficar pra sempre no meu coração! É muito amor”, declarou.

Para entrar no elenco de “Aladdin”, foi necessário dedicação e, principalmente, paciência. Foram seis meses de audições, seis meses de tensão, seis meses de muita ansiedade e noites sem dormir. Um total de 1.200 candidatos disputaram os papéis de Jasmine e Aladdin para essa que foi a segunda montagem do musical feita fora da Broadway – a primeira aconteceu no Japão. “Estudei muito, mentalizei muito pra isso acontecer. O processo de audição e a montagem do time criativo era algo meio novo, por isso, durou tanto tempo. Hoje, eles já estão mais acostumados, então é algo mais rápido.”

A personagem, que protagoniza a belíssima cena do tapete voador ao som de A Whole New World, colocou Myrthes em outro patamar. “A Jasmine me deu bastante visibilidade aqui, com muitas entrevistas e divulgações, além de me proporcionar momentos inesquecíveis, como conhecer o Alan Menken (compositor de inúmeras canções da Disney) e poder cantar com ele na sua casa, isso foi pra mim uma das coisas mais especiais de toda minha vida”, relembrou com emoção.

Além de “O Rei Leão” e “Aladdin”, Myrthes soma no currículo os musicais “Buddy Holly Story”, “Dirty Dancing”, “Cats”, “Dança dos Vampiros”, “Fame”, “Legalmente Loira”, “Flashdance”, “Ragtime” (que fez por duas vezes) e “Um Americano em Paris”. Atualmente, ela participa pela terceira vez do espetáculo “West Side Story” e os próximos na agenda são “On Your Feet”, musical da Gloria Estefan, e “The Distance You Have Come”, do Scott Alan.

Classe artística mais valorizada

Há quase 15 anos fora do Brasil, a atriz conseguiu consolidar sua carreira artística no exterior, mas segue acompanhando a luta dos artistas brasileiros por mais respeito e direitos. “Ser artista aqui na Europa é motivo para ser, não só respeitado, mas enaltecido. Os artistas têm suporte total do governo, toda cidade tem seu próprio teatro Municipal, com sua companhia de ballet, sua companhia de teatro, seu coro de ópera. Aqui, é possível ver artistas do mundo inteiro, todos muito respeitados e livres para construírem uma carreira e uma vida estável”, comentou.

O teatro musical no Brasil não passa por uma boa fase, após o visível crescimento nos últimos anos, as mudanças na Lei de Incentivo à Cultura e, agora, a pandemia que assombra o mundo colocam esse gênero teatral em uma situação extremamente delicada. “Eu fico assistindo aqui de fora e fico muito triste com a atual situação do nosso país, com o descaso com a classe artística. Vejo tudo como um retrocesso e uma falta de respeito imensurável com os nossos artistas. Venho assistido as notícias e vejo como estão rebaixando a nossa classe, como se artista fosse uma profissão descartável ou como se não fosse uma profissão de verdade.”

Por consequência do coronavírus, todos os teatros europeus, assim como os do Brasil, foram fechados, mas os artistas não estão desamparados. “A maioria dos teatros, como são financiados pelo governo, continuam pagando seus empregados, alguns com salário integral, outros com uma porcentagem descontada. Para os artistas que trabalham em teatros particulares, eles recebem só uma parte do salário, pois a empresa que tem que arcar com os custos sozinha, e os desempregados, muitos de shows que foram cancelados definitivamente, ainda recebem auxílio financeiro do governo”, explicou.

Volta ao Brasil não é descartada

Mesmo estando feliz com seu trabalho na Alemanha, Myrthes não escondeu que possui o desejo de estrelar um musical no seu país de origem. “Seria realmente algo muito especial, voltar depois de muitos anos e fazer um espetáculo para o melhor público do mundo: o brasileiro. Se rolar a oportunidade, vou com certeza pensar com muito carinho. E não vou mentir, sempre fico imaginando como deve ser atuar na nossa própria língua (risos). Deve ser muito divertido poder se entregar completamente ao texto e emoções sem precisar pensar na fonética. Deve ser tudo!”, confessou rindo.

Entre os papéis que sonha em interpretar está Mimi, do musical “Rent”. Há um tempo, a atriz chegou a ser selecionada para o papel, mas estava presa em outro contrato e não conseguiria conciliar dois espetáculos, mas espera que possa interpretar essa personagem no futuro. Mesmo em meio a uma pandemia, Myrthes se mantém esperançosa e fez questão de enfatizar que se sente muito sortuda por poder viver da sua arte.

“Ser artista é uma dádiva divina. Deus nos dá o talento para trazer alegria, luz, vida, emoções na vida das pessoas. Tem coisa mais linda do que isso? Toco corações com a arte, eu levo isso como dádiva e responsabilidade. Só tenho amor e gratidão pela minha profissão. Meu conselho para os sonhadores mundo afora é: sempre, sempre, sempre sigam seus corações. Nunca deixem ninguém dizer que não são capazes de algo. Com muita disciplina, amor e força de vontade, vocês podem chegar aonde quiserem”, finalizou a estrela.

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William Amorim

Jornalista com trabalho acadêmico de pesquisa sobre a história do Teatro Musical no Brasil, repórter de Entretenimento/Cultura na Jovem Pan, com passagens pelo Portal iG e pela Editora Globo, jurado do Prêmio DID e colunista do A Broadway É Aqui!

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