“Enlace – A Loja do Ourives”, o musical com texto de João Paulo II

O verdadeiro amor não envelhece. E é partindo dessa opinião que se destaca o musical “Enlace – A loja do Ourives”, que fez sua curta temporada no auditório principal do Tuca, Teatro da Universidade Católica de São Paulo, e trouxe à tona diversos valores e sentimentos que vão além de espaço e tempo.

Vários são os pontos especiais da peça, mas o destaque mesmo se volta para o autor. Não há quem nunca tenha ouvido falar dele, ele que fez parte de vários grupos teatrais e se destacou até como dramaturgo, que fez faculdade de literatura, falava mais de 12 línguas e surpreendeu ao escrever poesias e livros antes de se consagrar como um grande religioso; “Enlace” é uma adaptação do livro, “A Loja do Ourives”, escrito pelo Papa João Paulo II em 1960, na época com 40 anos e Bispo de Cracóvia.
A trama se passa na Polônia e conta a historia de três gerações de mulheres apaixonadas: Teodora, Ewa e Malina, que em tempos diferentes, vivem e intensificam o amor a seu modo. Dividido em dois atos que passeiam entre os anos de 1939 a 1989, é possível acompanhar a maneira como o sentimento vai mudando de forma e com o tempo chega até a se desgastar.

A ideia de traduzir o amor, que quando verdadeiro não tem idade, se fortalece ainda mais entre os diálogos dos personagens e gira basicamente em torno do comerciante Stanislaw, o ourives interpretado pelo ator Luiz Guilherme Favati e que atua quase um alterego do Papa, ele acaba tendo também a função de “narrador”, pois testemunha as histórias e usa de sua sabedoria sensível para lidar com elas e comentá-las, explica inclusive algumas simbologias, como o verdadeiro significado da aliança de compromisso, do dedo em que ela é usada e do material com que é feita.
Eis aí um dos charmes da obra de Karol Woityla… Ela é detalhista, mas não chega a ser tão previsível, ainda que se trate de amor. Cada cena tende a ser uma surpresa. Os tempos se misturam e isso se torna um diferencial curioso. No palco, uma banda de 9 músicos contribui para que o passado e o futuro dos personagens se esclareçam de forma entrelaçada no presente, e é através de uma trama musicada originalmente que todas as situações são contadas nas canções.
A época, a guerra, os valores, os comportamentos, os ideais e tantas outras diferenças são colocadas em questão a todo tempo. Plenamente atuais, as sábias linhas que foram escritas há 52 anos pelo grande religioso ainda se mostram intensas o bastante para serem reconsideradas. O texto já falava dos dilemas da vida a dois: conflitos emocionais, encontros e desencontros, o medo do casamento, a falta de liberdade, a possibilidade de frustração, o peso da opinião familiar, os tempos diferentes, a busca pelo companheiro perfeito e tantas outras difíceis realidades que cruzam o caminho em busca do matrimonio.
Uma montagem sem efeitos especiais e grandes números acrobáticos de dança, ela se limita a falar de amor com simplicidade, o que talvez a torne ainda mais singela e delicadamente emblemática. O elenco foi recheado de nomes e rostos conhecidos, mais da televisão do que do teatro, como Claudio Lins, Françoise Forton, Rafael Almeida e Giselle Tigre, que dividem as cenas com a ex BBB Leka Begliomini e o garoto propaganda Fabiano Augusto – ambos surpreendem por suas desenvolturas no palco. Paulo Benevides, que interpreta Adão em sua juventude – o mesmo papel de Claudio quando adulto – também revela seu talento ao ganhar um papel de destaque e um importante dueto.

“Enlace” foi o sonho idealizado durante 32 anos por Maria de Lourdes Muniz de Mello, uma das produtoras do espetáculo. Adaptado por Elísio Lopes Jr, dirigido por Jô Santana e escrito por quem realmente acreditava no sentimento verdadeiro, um jovem polonês que tinha fé nas pessoas e no que elas podiam oferecer – fé essa capaz de unir e igualar o ser humano através de algo que é puramente existencial: o amor.
E foi visando essa união e a propagação de boas intenções que a peça foi convidada para fazer parte da programação cultural oficial da “Jornada Mundial da Juventude”, evento internacional organizado pela Igreja Católica, que acontecerá de 23 a 28 de Julho de 2013, no Rio de Janeiro.
É… Parece até que há anos atrás a banda “Engenheiros do Hawaii” previu todo este sucesso ao cantar “O Papa É Pop”. Mas… Apesar das inevitáveis ligações, o texto descarta a ideia de ter pleno foco religioso, ele não tem como intuito direcionar seu público e nem busca um conflito de ideias que divida opiniões, apenas te convida a “viver” em épocas diferentes o que nunca deixou de ser recente.
Após 3 meses de apresentações, tendo a última sido em 12 de Agosto, agora será a vez de outras cidades terem a oportunidade de conferir. A peça segue em turnê pelo país, começando por Maceió e com algumas mudanças no elenco, que deixa de ser composto por 26 atores e passa a ter 24. Adão, papel de Claudio Lins na maturidade, passa a ser interpretado por seu companheiro de elenco Fábio Cadôr e o motivo da substituição foi o convite para integrar o musical “Milton Nascimento – Nada Será como Antes”, em cartaz no Rio de Janeiro; Assim como a atriz Luciana Milano, que deixa suas personagens para se juntar ao elenco de “Cabaret – O Musical” – que reestreou no teatro Procópio Ferreira, em São Paulo no último sábado, dia 25.

Enlaçados, os diversos dramas dos corações apaixonados ganham leveza ao serem contados como um romance musical, com um quê de comédia e uma pitada de emoção. É capaz de encantar plateias de todas as idades, fazendo chorar, rir e refletir. São intensos 135 minutos de pequenas doses de realidade, gentilmente oferecidas a quem teve e ainda terá a feliz oportunidade de conferir.
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