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“O Bosque dos Sonâmbulos” envolve público com trama que mescla conto de fadas e terror

Musical nacional é uma adaptação do curta-metragem de Matheus Marchetti, que gira em torno de um romance gay cercado de mistérios

“Quem sujou o figurino de sangue, me entrega que eu vou lavar”, foi com essa frase que o diretor Matheus Marchetti terminou o ensaio geral que antecedeu a estreia de “O Bosque dos Sonâmbulos” no Teatro Viradalata. O musical independente — e nacional — oferece ao público uma experiência envolvente e com uma temática pouco vista nesse gênero teatral: um conto de fadas macabro. Em entrevista ao B!, Matheus brincou dizendo que é uma honra lavar a roupa de um elenco tão talentoso, mas enfatizou que não glamouriza a falta de recursos. “A gente precisa de mais investimentos nas artes, mas acho que a experiência de fazer teatro assim, totalmente independente, sem lei de incentivo, só enfatiza o quanto esse é um trabalho em conjunto, e todo mundo faz de tudo um pouco. É bem clichê, mas somos praticamente uma família unida com um objetivo. No caso, nosso objetivo é contar essa história que a gente ama do melhor jeito possível dentro das nossas condições.”

A entrega dos atores, dos músicos e da produção é nítida, eles acreditam na força do espetáculo e isso, consequentemente, é passado para o público durante as apresentações. A trama, inspirada em filmes de horror gótico das décadas de 1960 e 1970, foi criada por Matheus na sua adolescência e acompanha Thomas (alternado por Bruno Germano e Giuliano Garutti), um jovem que vive com a família em um sombrio hotel e se apaixona por um sedutor cantor, Roman (Jow Black), que seu irmão mais novo, Oliver (alternado por Andy Cruz e Lucas Bocalon), acredita ser um vampiro. Ao trazer um casal gay para o centro dessa história, o diretor quis traduzir não apenas como vê a representação queer no gênero do horror, mas também sua descoberta pessoal sobre a sexualidade. 

“Comecei a escrever esse projeto quando estava me entendendo e me descobrindo, sonhando com meu ‘príncipe encantado’ (risos), então acabou sendo uma coisa quase autobiográfica nesse sentido — por mais que seja uma obra de ficção. De forma mais geral, sempre estudei muito a presença queer em histórias de terror — principalmente nos vampiros, figuras que tanto na literatura clássica quanto no cinema clássico apareciam sempre como figuras sexualmente subversivas que precisavam ser eliminadas pela instituição cishetero branca cristã”, comentou o diretor de 28 anos. “Nos anos 60 e 70, havia diversos filmes que abordavam o despertar sexual feminino por uma lente vampírica, sempre com a figura da ‘boa moça’ que é seduzida por uma bela morta-viva. Eu adorava esses filmes e acredito que eles foram formativos inclusive nesse processo de entender quem eu era.”

Do audiovisual para os palcos

O conto de fadas de Matheus primeiro virou um curta-metragem e só depois foi adaptado para os palcos. “O filme bebe muito da linguagem do teatro musical, da ópera, do balé… está no DNA do texto, nas escolhas estilísticas da fotografia e da direção de arte”, explicou. A atual adaptação do espetáculo permitiu ao autor revisar seu texto, já que hoje ele o enxerga de uma forma mais madura. “O teatro nos traz a possibilidade de cada dia ser uma ‘nova obra’, cada dia eu descubro algo de diferente sobre a peça.” No curta, os hóspedes começam sentados no saguão do hotel onde se passa a história. Eles estão assistindo à apresentação de uma cantora lírica quando sonhos e realidade se fundem. Inspirado nessa cena e para aproximar o público da história, surgiu a ideia de montar a peça em formato arena, ou seja, com as pessoas sentadas em volta do palco. “A gente queria colocar o público nesse lugar, como esses hóspedes que testemunham um sonho coletivo e, por fim, participam desse sonho e entram para dentro da ação de certa forma.” 

O musical conta com músicas de Vitor Mascarenhas e a atual produção tem direção musical de Guilherme Gila. Ao B!, Matheus contou que as canções foram pensadas para seduzir o espectador e o conduzir para dentro de um sonho que, por vezes, aparenta ser um terrível pesadelo. “Acho que o horror funciona melhor junto ao belo, ao sublime, criando contrastes. Essa é a síntese da nossa peça”, pontuou. “Nesse processo, enxergamos o projeto muito como um ‘conto de fadas para adultos’ ou uma fábula sombria, e nesse sentido os trabalhos do Matthew Bourne — principalmente sua releitura de ‘Bela Adormecida’ — foram uma referência enorme para a gente, até porque também incorporam elementos queer na narrativa e na própria estética.” “O Bosque dos Sonâmbulos” fica em cartaz até 12 de outubro.

Serviço:

  • Local: Teatro Viradalata (Rua Apinajés,1387, São Paulo)
  • Sessões: Terça, Quarta e Quinta-feira às 21h
  • Valores: De R$ 45,00 a R$ 90,00
  • Ingressos: www.sympla.com.br
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William Amorim

Jornalista com trabalho acadêmico de pesquisa sobre a história do Teatro Musical no Brasil, repórter de Entretenimento/Cultura na Jovem Pan, com passagens pelo Portal iG e pela Editora Globo, jurado do Prêmio DID e colunista do A Broadway É Aqui!

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