B!OffElencoEntrevistasEspeciaisExclusivoMusicais

Especial: 20 anos de “Les Misérables” no Brasil

Estrelas da primeira montagem compartilham memórias com exclusividade.

Foto de Capa: Mila Maluhy

.

Se passaram exatos 20 anos desde que as cortinas do antigo Teatro Abril, em São Paulo, se abriram para a adaptação musical da obra de Victor Hugo, “Les Misérables”. Um mundo novo de possibilidades chegava junto com a estreia da produção de Billy Bond, da Black & Red, em parceria com a CIE Brasil, com direção associada de Mariano Detry, direção musical residente de Marconi Araújo e versões de Claudio Botelho.

Estrelada por quase 40 nomes, muitos deles encontravam ali sua primeira grande oportunidade de começar a escrever uma história dentro da história do teatro musical brasileiro, que passava a dar passos mais firmes rumo às superproduções que hoje não podem faltar na cena teatral paulistana – e que andam fazendo muita falta há quase um ano e meio, em função da pandemia da Covid-19.

Os desafios de um primeiro teste, processos criativos, a experiência de trabalhar com profissionais de outro país, uma longa temporada com centenas de apresentações e muitas saudades especiais; tudo parecia encantar, e até mesmo assustar, os escolhidos para dar vida aos icônicos personagens.

Para celebrar esse marco, o B! reuniu nesta matéria especial os atores Saulo Vasconcelos (Javert), Sara Sarres (Cosette), Alessandra Maestrini (Fantine), Ester Elias (Eponine), Laura Lobo (Eponine criança) e Fred Silveira (Marius), que relembram estes e outros momentos importantes de uma época que deixou marcas em vermelho, azul e branco, além de uma grande saudade de Marcos Tumura, intérprete de Jean Valjean.

Cena de “Les Misérables”, elenco 2001 | Crédito: Juca Varella


B!
Qual foi seu primeiro contato com a obra de Victor Hugo, “Les Misérables”?

Saulo Vasconcelos: Foi quando ainda era cantor amador. Cantava em corais e morria de vontade de fazer parte de musicais. Era um sonho. E desses tantos, um que eu considerava uma obra-prima na combinação de história com música era o ‘Les Misérables’. Até uma orquestração do One Day More eu escrevi de ouvido, na esperança de um dia fazer com orquestra.

 

Sara Sarres: Ainda adolescente em Brasília, eu fazia parte de uma companhia de Teatro Musical e estudamos a obra. 

 


Alessandra Maestrini:
Eu já tinha ouvido falar bastante da obra de Victor Hugo. Mas só busquei saber mais a respeito quando soube das audições para ‘Les Mis’, mesmo. Bianca Tadini, que já tinha lido o livro todo e que é minha grande amiga desde RENT, me emprestou e eu dei uma estudada na ambiência por ali. O livro é GIGANTE, não só em seu valor literário, mas em número de páginas mesmo. Li toda a parte da Fantine (minha personagem tem este diferencial de caber todinha concentrada em uma parte rsrs) e, assim, fui mais bem embasada para a audição. Sim, claro, depois de ouvir todo o CD e assistir a alguns vídeos do musical no YouTube também. Ah! Muito antes disso, assisti a Kiara cantando “On My Own” (solo de Eponine) no pocket show “Broadway Café”, de Wolf Maya. Tempos depois acabei integrando o elenco do pocket, ficando a cargo dos solos de Kiara Sasso e de Kacau Gomes, que haviam saído para alguma outra produção. Isso. Foi assim. Então, meu primeiro contato com Les Mis – assim como com muitos musicais – foi através de Kiara, que conheço desde os 15 anos e que sempre foi absolutamente apaixonada pela Broadway.

Ester Elias: Meu primeiro contato com a obra foi mesmo após saber das audições que iriam acontecer em São Paulo. 

 

 

Fred Silveira: Em Brasília, estudamos a obra e participei de uma montagem in concert. Na época o vídeo dos dez anos do espetáculo estava sempre em repetição no meu vÍdeo cassete (pois é). Com isso, já conhecia o papel do Marius.

 

Laura Lobo: Meu primeiro contato com ‘LeMis’ foi durante as audições da primeira montagem aqui no Brasil. Eu era muito nova, tinha nove anos na época, e ainda não tinha tido a oportunidade de ler o livro… 

 

B! Se lembra de como foram os seus testes para o espetáculo? Comente um pouco sobre o processo.

Saulo Vasconcelos: Como já estava n‘O Fantasma da Ópera’ no México e conhecia o produtor, Billy Bond, mandei um e-mail pra ele perguntando se poderia audicionar. Ele ficou bastante entusiasmado com a ideia e pagou passagem aérea e hospedagem para que eu fizesse o teste. Chegando em São Paulo, encontro meio mundo dos amigos de Brasília, minha cidade de nascimento, e passamos todos para o espetáculo! Foi mágico.

Sara Sarres: Sim, como se fosse ontem. Inclusive tenho duas alunas estudando a Cosette essa semana, me trouxe muita saudade. Eu cheguei muito bem preparada. Lembro que fiz um teste impecável. Lembro que os diretores chegaram a ficar sem reação.

Alessandra Maestrini: Lembro super! Soubemos das audições para ‘Les Mis’ ainda no final da temporada de RENT. Ao mesmo tempo, veio o convite para protagonizar “Aí Vem O Dilúvio”. Eu, ainda um tanto quanto possuída pela Maureen, achava o tal musical quase religioso e careta. Mas me encantava a idéia de viver uma personagem praticamente oposta à anterior (Clementina – a virgem) e, ao mesmo tempo, tomava como certo que me ajudaria bastante manter-me ligada à produtora dos 3 espetáculos (CIE do Brasil – atual T4F) para quando finalmente viessem as audições para ‘Les Mis’. O tiro quase, e muito quase mesmo, saiu pela culatra. “Aí Vem O Dilúvio” fez um sucesso tão estrondoso que, quando convocaram os testes para ‘Les Mis’, fui proibida de audicionar: “Não podemos despir um santo para vestir outro” me diziam. Dei meu jeito de fazer a situação chegar ao ouvido dos “gringos”, de deixá-los bastante curiosos e garantir que assistissem a uma sessão do espetáculo. Bingo! Eles exigiram que tanto Marcos Tumura quanto eu adicionássemos para Jean Valjean e Fantine. Outro fato curioso aconteceu poucos dias antes da audição: fui dar um beijo em Vera do Canto e Mello durante os ensaios de “O Beijo da Mulher Aranha” (outra produção da mesma CIE do Brasil/T4F em parceria com a Black and Red). Eles usavam um espaço do próprio Teatro Ópera (RENT e aí Vem O Dilúvio) e soube que Vera, que havia sido minha professora de canto, tinha um grande papel no musical, assumia a preparação vocal do elenco e estava lá. “Quem sabe ainda dou a sorte de ver o Miguel Falabella de perto!” pensei. Bingo! Era justo a aula particular dele. Pedi licença para dar um beijo em Vera e contei que audicionaria naquela semana para Fantine. Miguel olhou pra mim e disse na hora: “Fui com a tua cara! Quero que você passe nesse teste. Vou te ajudar. Hoje, a minha aula é sua. Vou te dirigir. Cante pra mim.” Cantei. “Você vai passar! Fique tranquila.” Ele estava certo.

Ester Elias: Na verdade foi uma saga! Preparar as músicas, ver lugar para ficar em São Paulo, longas viagens de ônibus, roupa certa, preparar todo material profissional (como era o primeiro teste profissional não tinha fotos e nem Curriculum… rsrs loucura total) e o melhor era sair com a galera pra essa audição. Foram meses nessa saga! Ah! Fora o nervosismo! Uma curiosidade, no dia da última audição amanheci com uma inflamação super estranha na garganta, mas a tarde logo após o teste tudo passou. Vai entender.

Fred Silveira: Vim fazer a primeira fase dos testes. Cantei a música Bring him Home. Lembro que o diretor Mariano Detry disse “Bonito, vai fazer pra Marius”. Não sabia que isso significava “vai fazer a próxima fase para o personagem Marius”. Na minha cabeça já tinha passado para o personagem. Voltei com essa certeza no meu coração. No final das três fases isso se confirmou. Foi um dos espetáculos que já sabia, lá dentro, que iria fazer. 

Laura Lobo: Lembro bem! Foram terríveis! Hahaha Meu primeiro teste foi muito ruim. Eu estava apavorada, nunca havia audicionado para nada na vida! Travei na primeira vez que me chamaram para cantar. No fim das contas o Billy (Billy Bond) me pediu pra fazer alguns vocalizes, escalas simples pra ver se eu era afinada e tinha bom ouvido. E assim foi. Passei para a segunda fase que foi mais legal. Eu tinha certeza de que não tinha passado, então quando recebi o call back fiquei mais confiante. “Se passei desse jeito, então vamos lá!”. A segunda fase foi bem bacana, fizemos testes em conjunto, várias garotas. Nos colocaram em círculo e pediram pra cada uma cantar um pedaço da música, depois todas juntas. E enquanto esperávamos para entrar na sala podíamos ouvir os adultos audicionando, eu achava aquilo incrível. 

B! Este foi seu primeiro grande “sim”?  Conte um pouco sobre a sensação de recebê-lo e o quanto impactou sua vida.

Saulo Vasconcelos: O primeiro grande sim foi o ‘Fantasma’, mas esse ‘sim’, do ‘Les Misérables’, foi a realização de um desejo MUITO grande de fazer musicais no meu país. Foi indescritível a sensação de reestrear o Teatro Renault (na época Teatro Abril) ainda com cheiro de tinta nas paredes.

Sara Sarres: Sim. Foi a minha primeira audição profissional. O momento da ligação é algo tão mágico que desejo para todos os que sonham viver essa experiência no Teatro Musical.

Alessandra Maestrini: Não…  Mas a responsa – a pressão mesmo – de protagonizar a primeira superprodução da Broadway no Brasil, após décadas de hiato do setor, era imensa.

Ester Elias: Foi! O primeiro. Eu quando recebi a notícia que tinha passado quase morri de felicidade. Passar por todo o processo e ser selecionada é a melhor sensação! Na verdade, passei para o elenco. Mas no primeiro dia de ensaio a menina que foi selecionada para o papel de Eponine (no caso nossa amiga de Brasília, Juliana que nós a perdemos num voo que saiu do Brasil para Paris) não pôde seguir e os diretores me chamaram no horário de almoço para me ouvir novamente como Eponine. Durante as audições fiz teste pra Fantini e Eponine. Quando voltamos do almoço no início do ensaio da tarde os diretores anunciaram a saída da Juliana e me perguntaram se eu aceitava ser a Eponine. Morri de novo claro! Lembro que o Tumura estava do meu lado e disse: Pode chorar boba! kkkk… Um convite sendo feito na frente de todos não tem como esquecer! O melhor: o salário subiu kkkk!

Fred Silveira: Sim, eu tinha certeza de que essa mudança iria acontecer, em algum momento lá em Brasília sabia que iria acontecer. Não sabia como nem porque, eu estudava feito um desgraçado, nem sabia por que ou para quê. Esse sim mudou completamente minha vida. Tanto que 20 anos depois continuo em São Paulo por causa dele. Toda minha carreira começou neste sim.

Laura Lobo: Sim. Foi meu primeiro grande sim! Eu não sei se compreendi na época a magnitude da coisa. Mas foi a primeira porta a se abrir no mundo dos musicais e me trouxe um propósito. Eu tinha somente nove anos, mas senti como se tivesse encontrado minha vocação. Foi muito especial.

B! Conte um pouco sobre a construção da personagem e a relação afetiva que mantém com ela até hoje.

Saulo Vasconcelos: Digamos que a construção do Javert foi o processo mais rico e emocionante de todos. Sentamos, lemos trechos da obra, realizamos pesquisas de deveres de casa, testamos, fizemos laboratórios. Foi exuberante! Fiquei muito encantado com nosso diretor Ken Caswell, que também fazia parte do Royal Shakespeare Company.
O Javert, no entanto, era um papel bastante denso e me deixava extremamente exausto mentalmente. Só fui perceber isso anos depois de fazê-lo. Chegava em casa cansado e meio baixo astral (afinal ele se mata no fim do espetáculo), mas achava que era besteira. Mesmo assim morro de saudade.

Sara Sarres: Há muito tempo não pensava na Cosette, mas uma certeza é incontestável, não existe experiência igual a vivida em ‘Les Misérables’. Só quem fez sabe. É um espetáculo de Ensemble, a história pulsa no todo e as relações construídas ali duram para sempre. A obra é tão magnífica que a construção está toda ali, no livro. 

Alessandra Maestrini: No começo dos ensaios, eu tinha dificuldade de casar o peso trágico da personagem com a fluidez melódica que a partitura exige. Era sempre uma guerra entre o peso da dor X a leveza do agudo, a trepidação da alma X o fluxo da voz; a agressividade do rancor e da vivência X a delicadeza da poesia e da alma. Meu domínio de técnica vocal era outro também; o famoso conflito entre “voz de cabeça” e “voz de peito” ainda era grande. Deparei-me com uma insegurança paralisante e uma apreensão estética tamanha que, por mais que eu soubesse explicar muito bem a construção psicológica da personagem e o quão tocante era sua trajetória, eu não conseguia me emocionar; simplesmente não acontecia. Eu estava desesperada, não entendia nem como era possível que a personagem mais complexa que eu já havia recebido não tivesse me estendido a mão para brincar de SER, nem tampouco como evitar uma performance que se resumisse a um approach técnico. Até que um dia Ken Kaswell, o diretor, me deu a chave: “Vou te contar um segredo, Alessandra: quando nós escolhemos alguém para defender um papel, é porque essa pessoa já é a personagem. Você É a Maureen, você É a Clementina e você É a Fantine. Nós só temos dois meses para ensaiar super-produções musicais; seria muito caro fazer mais do que isto. Não temos tempo para fazer laboratórios profundos. Nós escolhemos você porque nós vimos na audição que você já carrega dentro de si muita vivência; você já tem muita emoção a transbordar e você já tem o star quality que exige a personagem. Vamos fazer o seguinte? Cante a música pra mim. Esqueça que há qualquer personagem. Cante simplesmente permitindo que você, Alessandra, se aproprie da letra. Eu quero ver você. Não se esconda atrás da personagem. Deixe que nós vejamos a Fantine através de você. Porque você É Fantine e porque você É uma estrela. ‘That is what I saw in your audition: You are Patti LuPone!” Deixe-se tocar pela emoção, permita-se, não tenha medo da sua emoção. Deixe que ela transborde, não tente dar medida. Nós vamos cantar isto inúmeras vezes até a estreia, não se preocupe, o contorno chegará. Daqui até lá, deixe-se chorar. Até para não ser surpreendida em cena um dia. Cantei chorando a música inteira, chorei cantando a música inteira, parei de cantar pra chorar, parei de chorar pra cantar, retomei, outra vez, outra e outra… et, voi lá! 

Ester Elias: Seann (supervisor musical), nos dirigiu na parte dessa construção. Ele com várias atividades e dinâmicas desenvolveu a energia, agilidade e esperteza da Eponine. Características de uma menina forte que sabia se defender de qualquer um. Ela me fortaleceu como mulher que sabe e pode se defender. No início era tão forte a personalidade dela que influenciou em alguns momentos da minha vida. A minha postura era de peito aberto e cabeça erguida como alguém que pergunta: O que é? Algum problema?? Sem medo da vida, bem abusada rsrs.

Fred Silveira: Foi o primeiro personagem que fiz, ganhei o livro de um amigo da produção, foi impactante conhecer a história com mais profundidade. Conhecer o Marius como Victor Hugo o imaginou e como o musical consegue ser tão incrível em retratar em poucas horas essa história. Quanto a minha relação afetiva hoje eu vejo com muito agradecimento, mas não considero o dono do Marius, nunca tive apego aos personagens que fiz, foram experiências que me fizeram crescer como artista.

Laura Lobo: Assim que soube que havia passado, compramos o livro e comecei a ler. Devorei o livro e fiquei mais encantada ainda. Durante os ensaios trabalhamos muitos jogos teatrais. Fomos muito bem cuidadas pelos nossos diretores, tanto os “gringos” quanto os brasileiros, que nos guiaram com cuidado e firmeza. 

B! Quais foram os principais desafios de integrar o elenco de uma primeira superprodução brasileira?

Saulo Vasconcelos: Muitos! Morria de medo do espetáculo não dar certo no Brasil. Tivemos muitos problemas na pré-produção, pouca divulgação – o que depois foi prontamente corrigido com a chegada de Sir Cameron Mackintosh. Afinal, o Brasil ainda era embrionário nesse tipo de dimensão e organização de suas produções de musicais. Hoje, já sabemos, dominamos, mas naquela época, não.
Como eu já vinha de uma superprodução anterior, já sabia o quão exigente e desgastante era fazer tantos espetáculos de quarta a Domingo. Mas percebi que o elenco tomou um susto com esse aspecto e sentiu bastante ao longo da temporada.

Sara Sarres: Criar condições de trabalho. Tudo era muito novo e não existia um modelo organizacional e entendimento burocrático prévio. Fomos aprendendo com o tempo as nossas necessidades e limites. Era muita garra e muita vontade de estar vivendo aquele momento. Sabíamos que estávamos construindo uma história. Tenho muito orgulho de fazer parte dela. 

Alessandra Maestrini: Uma produção deste tamanho exige uma postura de funcionário público na coxia (e no palco): disciplina, rotina, territórios firmemente delimitados de ação e evitar surpresas/novidades ao máximo. Há pouco espaço para idiossincrasias ou mesmo identidade(s). Uma obra dessa tessitura exige entrega emocional absoluta em cena, frescor diário, a alma pegando fogo de entrega e de compromisso em brilhar e um vínculo de confiança inequívoca entre os membros do elenco e da equipe. Lembremos que estamos falando de uma imensa engrenagem de seres humanos: com egos, desejos, sofrimentos, falhas, histórias que se entrelaçam, cansaços, vidas que seguem paralelamente com todos os seus imprevistos… é uma dicotomia de equilíbrio delicado. Fora isso, 6 sessões por semana e uma opera em belt – ‘Les Mis’ é praticamente todo cantado – exige uma saúde física, emocional, mental e uma disciplina de vida social (nenhuma) olímpica durante seus muitos meses ininterruptos em cartaz. 

Ester Elias: Ah… Sendo de Brasília, uma cidade com uma influência artística muito menor em relação São Paulo e Rio de Janeiro, o desafio foi não ter muita experiência profissional e ter que se jogar. Tínhamos muito contato com a música e canto e quase nada de teatro. Mas fomos tão bem orientados durante o processo que só no musical me desenvolvi bastante como atriz.

Fred Silveira: Ficar em cartaz durante 1 ano direto, outras responsabilidades, expectativas do público que não imaginava que existia. Estar bem em cada espetáculo, chegar no teatro renovado. Mas o mais difícil foi estar longe de casa a primeira vez. Ter feito escolhas que impactam até hoje em minha vida.

Laura Lobo: Para mim, o maior desafio foi continuar sendo criança e dar conta de escola, provas, notas, brincar etc. eu gostava muito daquilo tudo e, houve um tempo em que não queria saber de outra coisa. Para uma criança, ter a sensação de que achou seu propósito e sua vocação te faz pensar às vezes que não precisa de mais nada. Escola pra quê? Agradeço aos meus pais e meu diretor Elzer que puxaram nossas orelhas e não nos permitiram nos perder hehehe.

B! Qual era sua cena e/ou canção favorita?

Saulo Vasconcelos: O suicídio do Javert. Rs. Apesar de uma cena forte é um grande desafio para um ator fazer essa cena. Sem contar que a partitura é extremamente impactante. Uma música densa, que provoca grande inquietude no espectador (não é por menos).

Sara Sarres: One Day More. 

Alessandra Maestrini: Entre a morte de Fantine e sua volta como espírito, a atriz que vive a personagem se veste de garoto e segue em cena durante todo o espetáculo. Isso ajuda não só a manter a energia cênica viva (evita que se volte para o palco com sono no auge final do musical), a enriquecer as coreografias, cenas e vozes do coro, mas tem também uma função de responsabilidade com o elenco infantil. Cabe à atriz que vive Fantine supervisionar o/a intérprete de Gavroche para evitar acidentes. A gente fica completamente irreconhecível, vestido de trapos, vestido do sexo oposto e com a cara lambuzada “de pólvora e sujeira” para não ser reconhecida mesmo. É claro que eu amava meus solos e duetos; é claro que eu sonhava, revivia e revisava os momentos de Fantine a cada sessão e como eu podia melhorar cada milímetro; é claro que meu altar estava nessa troca emocional tão íntima com o público. Mas era um presente precioso poder aprontar, interagir mais diretamente com todos, estar mais por dentro da química de turma – o protagonista às vezes fica muito isolado –  e, como que de repente, ser duas, ser ainda outra e essa outra fazendo outro personagem. Eu adorava ser o meu moleque…

Ester Elias: Tenho duas rsrs. A cena do solo da Eponine claro e a cena do assalto em que Thénardier e sua gangue chegam tentando entrar na casa e Eponine não deixa acontecer. Ameaça gritar Detalhe, gritava 6 vezes por semana rsrs. Eponine grita e consegue espantar todos de lá. Me sentia o máximo kkkk.

Fred Silveira: O Café ABC era muito emocionante e a Canção do Café ABC do Marius.

Laura Lobo: Vai soar clichê, mas era ‘On My Own’. Eu costumava roubar a boina dos Gavroches e fazer a cena no camarim para os meus colegas, toda vez que Ester estava cantando no palco. Meu sonho era ser Eponine (e realizei anos depois, na segunda montagem brasileira).

B! Qual a melhor lembrança e maior saudade desta montagem?

Saulo Vasconcelos: Marcos Tumura, um grande amigo que partiu, cantando Deus do Céu (Bring Him Home, no original). Me lembro que sempre ia ouvir essa canção ali nas coxias. Grande ser humano e Ídolo.

Sara Sarres: Nossa, são tantas… Lembro do primeiro dia de ensaio, eu, muito menina, recém-chegada em São Paulo, entrei na sala de ensaio pela primeira vez e vi o palco giratório montado. Chorei de emoção. Lembro também do ensaio que tivemos com o compositor e letrista, o discurso de Cameron Mackintosh na pré estreia, as nossas peripécias nos bastidores e a saudade maior, claro, é de Marcos Tumura. É impossível pensar em Les Mis e ele não estar em absolutamente TODAS as minhas memórias. Foi muito lindo e ele faz muita falta.

Alessandra Maestrini: Marcos Tumura.

Ester Elias: Tudo era muito bom! Tenho saudade dos ensaios, das coxias, os erros de cenas…fiz muitos amigos… até hoje é muito forte e marcante na minha vida.

Fred Silveira: Os colegas, o quanto aprendemos juntos com os diretores ingleses, como eles foram grandes professores. Saudade das pessoas, muitas pessoas ali já se foram. Tumura era um colega, um artista incomum. Ter vindo com vários amigos e colegas de Brasília foi maravilhoso também.

Laura Lobo: Estar nos corredores do teatro, com aquela gente incrível, todos começando essa coisa incrível que se tornou o Teatro Musical no Brasil hoje. 

B! Considera este um “divisor de águas” na sua carreira? Fale um pouco sobre a importância deste trabalho.

Saulo Vasconcelos: Com toda a certeza. Ter vindo ao Brasil naquela ocasião abriu portas para grandes oportunidades, experiências e oportunidades. Chegar aqui e encarar esse desafio é fazer com o amor e seriedade que fiz me fez ter a certeza de que era um artista de verdade e não apenas um aventureiro no mundo do entretenimento.

Sara Sarres: Com certeza, na verdade vejo como o grande ponto de largada da minha carreira. foi o espetáculo que me tirou de Brasília, que me fez escolher o Teatro Musical no Brasil, a vida em São Paulo e tantas outras escolhas importantes que colaboraram para quem sou hoje e o que vivi até aqui. 

Alessandra Maestrini: Larguei a faculdade de Teatro e Música (eu cursava uma bolsa nos Estados Unidos) e “me formei” no palco, na prática, um espetáculo atrás do outro. Isso tudo, numa época em que o Brasil também se profissionalizava cada vez mais em musicais. Les Misérables foi meu doutorado.

Ester Elias: Sim! Completamente! Os diretores já falaram que nossas vidas após Os Miseráveis seria outra vida, seria completamente diferente. Seríamos mais exigentes. Não teríamos outro trabalho igual. E eu concordo plenamente. Cresci não só como artista em tão pouco tempo, mas cresci como pessoa.

Fred Silveira: Sem dúvida foi um divisor, pois foi quando tudo começou, minha carreira, minha paixão pelos palcos, pelas grandiosidades dos espetáculos, das coxias, das amizades feitas nos camarins e fora dele, no encontro com o público. Não tinha ideia do que aconteceria depois do espetáculo, mas fui sendo visto e acreditaram cada vez mais no meu trabalho. Considero ‘Les Mis’ o primeiro dos primeiros mais importantes da minha trajetória.

Laura Lobo: Não considero um divisor de águas pois foi meu primeiro trabalho. Não havia muitas águas para serem divididas ainda rs, mas sem dúvida foi muito marcante e abriu todas as outras portas…

Em 2014, o Prêmio Bibi Ferreira realizou sua segunda edição e recebeu, entre os números musicais especiais, a presença de quase todo o elenco original da primeira montagem de “Les Misérables” para relembrarem a canção “Só Mais Um”. Vale conferir!

Mostrar mais

Grazy Pisacane

Jornalista Cultural e Assessora de Imprensa, especializada há 10 anos no mercado de teatro musical.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo
error: Conteúdo Protegido!