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“Todo Vagabundo Tem Seu Dia de Glória” – Os desafios de criar um musical para o público infanto-juvenil

456_2014-Elenco Todo VagabundoAtualmente em cartaz no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, “Todo Vagabundo tem seu Dia de Glória” é a aposta de Thiago Pach para combinar a clássica “Commedia Dell’arte” ao universo infanto-juvenil. O musical, inspirado na obra de Shakespeare “A Megera Domada” (The Taming of a Shrew) conta com uma trilha sonora original assinada por Roberto Bahal, que traz elementos folclóricos e de época, como minuetos típicos do século XVI e XVII. O elenco é composto por um conjunto de atores com diversas experiências, como Renata Celidônio, Aline Carrocino, Felipe Frazão, Raquel Botafogo, Taua Delmiro, Ton Carvalho, Wendell Bendelack e o próprio Thiago Pach em cena. O B! Conversou com o ator e diretor do espetáculo o o resultado desse bate-papo você confere nas próximas linhas!

B!:Porque a inspiração em um gênero italiano oriundo do século XV para lidar com um público que muitas vezes desconhece essa referência? Como você acredita que as crianças e os jovens assimilam essas informações?
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Thiago Pach como o vagabundo Cristóvão Gerônimo (Foto: Marcus Gullo)

Thiago Pach: A Commedia Dell’arte é um teatro muito artesanal e muito crítico. Trabalha com arquétipos muito bem definidos. É um tipo de atuação muito dinâmica e com base no improviso. Tem uma linguagem popular e evoluiu muito pela Europa desde o século XVI. Além disso esse gênero ditou todo o teatro que veio depois dele e inspirou artistas como Charles Chaplin, por exemplo. Ou seja, já está no imaginário de todos e foi inspiração para várias obras modernas. Os artistas de Commedia Dell’arte herdavam o ofício da família. Os filhos aprendiam com os pais. Eram gerações de atores comprometidos em passar o ofício adiante. Eram operários da arte. É interessante falar disso hoje onde a arte e, consequentemente, o artista são tão desvalorizados. Além disso, para o ator é um presente poder mergulhar nesse desafio. Em “Todo Vagabundo Tem Seu Dia De Glória” nós tomamos esse gênero como inspiração, mas não usamos máscaras, por exemplo. Além disso é incrível poder misturar dois gêneros tão diferentes: o teatro musical e a Commedia Dell’arte.

B!: O espetáculo tem trilha sonora própria, algo que pode ser considerado inovador nos musicais atuais brasileiros. Como se deu essa escolha?

TP: Acho que há espaço para todos os tipos de produção. Montar um musical no Brasil é difícil. Talvez as montagens de musicais já famosos na Broadway, por exemplo, chamem mais a atenção do público e dos patrocinadores pois todos já sabem mais ou menos o que esperar quando a cortina se abrir. Já conhecem o apelo da obra junto ao público e isso dá segurança aos produtores e as empresas que vão patrocinar. No Brasil, por exemplo, se tornou hit montar musicais biográficos onde a público já conhece as canções e sabe o que vai ouvir. O público reconhece e canta junto. Isso já é um convite muito forte. Os fãs do artista homenageado são público garantido também. Assisti o musical “Clementina, cadê você?” com direção de Duda Maia (sobre Clementina de Jesus) e “Gonzagão A Lenda” com direção de João Falcão (sobre Luiz Gonzaga) e fiquei extasiado. Eu mesmo já interpretei o cantor Nelson Gonçalves no musical “Rádio Nacional – As Ondas Que Conquistaram o Brasil” dirigido por Fabio Pilar e Bibi Ferreira e também interpretei Cauby Peixoto em “Emilinha & Marlene – As Rainhas do Rádio” dirigido por Antonio DeBonis. Não sou contra, pelo contrário, eu acho incrível. Pois nossos artistas merecem ser lembrados. Porém montar um musical inédito com músicas autorais é mais difícil nesse ponto pois o público não conhece as canções, não canta junto. Não tem aquela segurança da qual falei. Mas acho que tem espaço e público para todo mundo. A Oi Futuro, nossa patrocinadora, acreditou na força do nosso projeto.

B!: E sobre o processo de composição dessas canções? Quais referências vocês buscaram?

image8TP: Eu escrevi as letras e o maestro e pianista Roberto Bahal musicou. As minhas letras se inspiram na poesia da história e dos personagens. “Todo Vagabundo Tem Seu Dia de Glória” fala sobre vários assuntos. Entre eles o valor da ética, a descoberta do amor, a saudade, o preconceito, o papel da arte na formação do indivíduo e o artista. Vivemos um momento crítico no Brasil. O preconceito contra o que é diferente é algo que temos que lidar diariamente nas ruas, na televisão, em casa… O nosso musical fala sobre isso. O nosso protagonista é um homem simples e pobre e alguém julga que por isso ele não é feliz. As músicas falam sobre isso. As composições do Bahal buscam inspiração na música da época em que se ambienta a peça, que são os séculos XVI e XVII. Ou seja, minuetos, músicas e danças folclóricas da Europa daquela época foram as referencias, porém sem esquecer do gênero que escolhemos que é o teatro musical.

B!: Você acredita que o público infanto-juvenil carece de espetáculos adequados para esta faixa etária, mas que fujam dos clichês do gênero?

TP: Acho que o potencial do teatro destinado ao publico infantil e infanto-juvenil vem sendo subestimado. O teatro infantil é visto pelos pais e pelos produtores como mera distração para a criança quando na verdade pode ser usado como instrumento de modificação, de educação, de expressão e de desenvolvimento do pensamento crítico. Além disso, o hábito de ir ao teatro, é construído desde criança e deve ser incentivado não só na escola como principalmente em casa. O potencial desse mercado merece ser levado a sério. A ludicidade do teatro precisa ser vista para além da simples opção de recreação e lazer tanto pelos pais quanto pelos produtores e autores teatrais. O público reage super bem quando percebe que está sendo tratado com a sinceridade e respeito e que as produções tem qualidade. Um dos exemplos é o clássico “Os Saltimbancos” de Chico Buarque.

B!: O elenco traz nomes conhecidos dos musicais e revelações do gênero, oriundos de sucessos como “The Book of Mormon” e “As Mimosas da Praça Tiradentes”. Como você acha que essas diversas experiências em espetáculos distintos colaboram para o musical?

Busquei, antes de tudo, artistas experientes que pudessem dialogar bem com a criação e acrescentar vida à obra. São atores com diferentes experiências e idades. Essa troca de idéias é sempre saudável e acrescenta muito ao trabalho. Como o musical é inspirado na Commedia Dellarte, que não é um gênero comum, não bastava cantar bem. Nós precisávamos que esses atores tivessem timing de comédia e um corpo disponível para esse trabalho muito específico. Para isso, também contamos com a ajuda da professora Tarlia Laranjeira que é especialista nesse tipo de comédia italiana e nos deu um workshop intensivo.

B!: Sobre os desafios que surgiram quando você decidiu criar este espetáculo? O que você pode compartilhar conosco?

TP: Há 3 anos transformei o “Todo Vagabundo Tem Seu Dia de Glória” em um musical. E então resolvi colocar o sonho na rua. Infelizmente vivemos num país que não valoriza a cultura. Produzir um espetáculo e conseguir patrocinadores são os maiores desafios, especialmente com a crise em que o país se encontra. Pois a cultura e a educação são os primeiros setores a sofrer. O outro desafio é o acumulo de funções, pois idealizar um projeto, escrever, dirigir e atuar é quase um ato heróico. Por isso convidei Adren Alves para dividir a direção comigo. Nós temos uma visão estética e de trabalho de ator muito parecida. Foi tudo muito natural!

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