Liane Maya compartilha sua experiência no teatro musical brasileiro
Conhecida por papéis como “Fräulein Schneider”, de “Cabaret”, “Tessie Tura”, em “Gypsy” e mais recente como a divertida “Lottie”, em “Crazy For Your“, Liane Maya é uma das poucas atrizes que fez parte dos dois momentos vividos pelo teatro musical brasileiro.
Nesta entrevista exclusiva, a atriz conta sobre sua paixão pelo gênero que a levou a desenvolver um método próprio de interpretação, compartilha também as dificuldades e desafios da vida como atriz no Brasil, e fala sobre a relação de trabalho e amizade com Claudia Raia, Marcos Tumura e o diretor Wolf Maya. Não deixe de conferir a entrevista na íntegra, abaixo.
B!: Conte sobre o início da sua carreira e como o Teatro Musical entrou nela.
Liane Maya: Eu comecei bem cedo. Com 9 anos eu já queria fazer teatro e pedia isso para os meus pais, então minha mãe soube que o professor Nonelli Basbatefano ensinava declamação e oratória na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. Foi nesta escola que comecei a aprender a arte de declamar poesias e pude apurar meus ouvidos com instrumentos musicais e me preparar para o canto coral. Aos 14 anos fui para o Tablado com a professora Loiuse Cardoso e com ela aprendi a arte de improvisar. Em pouco tempo, eu, Maria Padilha, Lúcia Abreu e Bia Lessa formamos um grupo de teatro musical com a direção de Wolf Maya. O início da minha carreira foi marcada pelo teatro musical infantil de Maria Clara Machado. Primeiro com a direção de Wolf Maya montamos “Maroquinhas Fru-fru” no antigo Teatro Opinião e no ano seguinte “A menina e o vento “, com a direção de Marília Pêra no Teatro Clara Nunes.
No ano seguinte começaram as audições no teatro para o musical de Dias Gomes “O Rei de Ramos”com direção de Fávio Rangel e músicas de Chico Buarque e Francis Hime. Nessa época eu tinha 17 anos e passei para o coro do espetáculo como bailarina. Durante a temporada a atriz Marília Barbosa teve que sair para o projeto Pixinguinha e fui indicada para fazer Thais, filha do “Mirandão” feito por Paulo Gracindo e o principal papel feminino da peça.
A partir daí fui para a TV Globo como atriz para fazer o programa de humor Planeta dos Homens e continuava a fazer parte de um grupo de Tteatro musical dirigido por Wolf Maya. Com ele fizemos muitos espetáculos Off Broadway , entre eles: “Village Station”,”Fourtune”(Pó de Guaraná),”Nunsense”(As Noviças Rebeldes) e os nacionais “Quem casa quer casa”( Martins Pena),”Foi bom meu bem”(Alberto de Abreu) e “Splish -Splash”(Flavio Marinho), além de” Band-Age”, de Zé Rodrix e Miguel Paiva e Adoráveis Criaturas de Anselmo Vasconcelos. Fui também dirigida muitas vezes por Cininha de Paula nos espetáculos musicais “Mu Caipira”, “Rock Rollou” e “Radio Stars”.
Naquela época fazer musical era realmente uma paixão e todos nós fazíamos muitas aulas aqui e lá fora, para podermos nos aprimorar vendo espetáculos da Broadway e tentando nos interar do que acontecia lá fora…O público adorava mas os espetáculos não se mantinham por muito tempo pois eram caros na sua manutenção.
B!: Você fez alguns trabalhos com Wolf Maya, considerado por muitos, um dos responsáveis por apostar no Musical na década de 1990. O que carrega dele em seus trabalhos?
LM: Eu aprendi muito com o Wolf, tinha 15 anos quando fiz a protagonista “Maroquinhas fru-fru” . Nesse primeiro musical em 1975, ele já mostrava o seu dom para dirigir os atores e a criatividade cênica ao nos colocar com caras brancas em estilo comedia Dellarte. Acho que o Wolf Maya é um mestre na direção de musicais e uma grande parte de atores desse gênero, inclusive eu, ficaram órfãos com a sua saída para a direção de novelas na televisão.
Tive a oportunidade de trabalhar como atriz, assistente de direção e coreógrafa, em vários espetáculos que ele trazia dos Estados Unidos naquela época. Aprendi muito nesses mais de 20 anos, muito da sua sensibilidade em coordenar o espetáculo como um todo, dominar todas as áreas técnicas do palco, o tempo das cenas musicais, fechamento dos números coreográficos com luz, acabamento e limpeza das cenas dos atores, tanto no figurino como maquiagem e cabelo e nas partituras corporais. Como atriz eu aprendi com o Wolf sobretudo a ter paixão pelo teatro e pelo palco e a respeitar o publico mostrando sempre o melhor!
B!: Você já trabalhava com musicais antes mesmo deles fazerem o sucesso que tem hoje. Como observa esses dois momentos do Teatro Musical brasileiro?
LM: Eu venho do tempo dos grupos de teatro musical que iam buscar peças lá fora e muitas vezes vendiam seus carros e empregavam suas poupanças para produzirem espetáculos.Pedíamos para diretores apaixonados por musicais dirigirem muitas vezes sem patrocínio, só com apoios culturais e sua enorme paixão pelo teatro. Uma época que era muito difícil contratar músicos ao vivo e os microfones de lapela eram muito caros e enviabilizavam a produção. As produções eram escassas porque os patrocinadores não acreditavam nesse mercado e diziam ser muito caro. As Leis de Incentivo a Cultura não eram divulgadas para acelerarem esse processo.
Muitos espetáculos foram montados pelo Governo Federal entre eles: “O Rei de Ramos”, “Vargas”, “Sargento de Milícias” entre outros, mas foram cada vez mais sendo substituídos pela produção musical. Com o tempo muitos atores foram debandando para outros países e esvaziando nosso grupo de atores de musicais e os diretores encantados com a televisão deixando o palco para dirigir novelas. Se eu fosse comparar o que vivíamos antes e agora, com certeza diria que éramos um número menor, mas tínhamos uma enorme ética e paixão por esse ofício. Estudávamos e aprendíamos com os mestres que tinham experiência lá fora e aqui e compartilhávamos esse saber vivenciando suas aulas e técnicas objetivando o melhor para o público.
Hoje vejo a maioria dos atores com muita informação e pouca vivência, com muita preocupação em ter resultados rápidos para as audições, querendo ser protagonistas sem terem passado pelo coro, fora do seu tempo de amadurecimento artístico. O Teatro Musical hoje é uma realidade artística e profissional e está precisando se dedicar a formação desses novos atores que precisam além de técnicas, informações, marketing, professores e mestres que passem suas experiências com paixão e ética.
B!: Você fez parte do elenco de grandes espetáculos da Broadway no Brasil, como “Gypsy”, “Cabaret” e mais recentemente “Crazy For You”. O que guarda dessas experiências? Há alguma diferença entre esse estilo de espetáculo e as produções nacionais?
LM: Fazer parte de grandes espetáculos da Broadway nos acrescentam muita experiência! Os americanos são os mestres desse gênero e trabalhar com as suas partituras musicais e a sua estrutura dramatúrgica é um privilégio. É inevitável reconhecer sua competência , disciplina e estrutura de produção, começando no primeiro dia de ensaio onde o cenário já está riscado no chão, a cenografia e o figurino já estão estampados nas paredes e os objetos de cena já são usados pelos atores. O diretor, coreógrafo, figurinista, iluminador e cenógrafo já tem uma concepção fechada do espetáculo antes mesmo de começarem os ensaios, fazendo com que o trabalho flua com mais rapidez e dinâmica.
Nas produções nacionais o trabalho do diretor e coreógrafo é realizado com o potencial do elenco e é muitas vezes modificado durante os ensaios, se por um lado isso faz com que vire mais visceral e orgânico, por outro lado, atrasa muito o processo criativo criando um problema para a produção, às vezes adiando seus cronogramas. Na produção nacional o diretor tem autonomia total para encaminhar a obra como quiser e os atores tem uma maior liberdade na composição de seus personagens o que não acontece nas produções internacionais, a não ser que os direitos possam prever essas mudanças. Cada vez mais o Teatro Musical Brasileiro é uma necessidade para nós atores e deve ser incentivado!
B!: Fale um pouco sobre Lottie, sua personagem, em “Crazy For You”.
LM: Em “Crazy For You” fui convidada para uma participação mais que especial, com dois personagens de comédia. A primeira personagem é a mãe de Bobby Child, Lottie, prepotente,lacônica e irresistivelmente engraçada. A outra é a Patrícia, uma turista inglesa com peitos enormes e totalmente cega, lembrando os cartoons de desenhos animados. No início dos ensaios foi mais difícil compor a Lottie, uma personagem bem mais velha que eu, que tinha uma voz mais grave e uma bengala na mão, muito rica e ríspida, mas que em todas as cenas eram carregadas de muito humor. Me apaixonei por ela!
B!: Seus dois últimos trabalhos foram ao lado de Claudia Raia. Como começou essa amizade?
LM: Eu sempre admirei a Claudia, tínhamos um amigo em comum, o Eduardo Martini, e ela foi nos assistir no espetáculo “Adoráveis Criaturas”. A partir daí ficamos nos namorando, até que Lucinha Lins saiu do espetáculo “Splish-Splash” no Teatro Ginástico e a Claudia me chamou para fazer a Bianca, a protagonista do musical. Já naquela época ela era também produtora e atriz. Ficamos em cartaz durante um ano e depois fomos com a produção para São Paulo com enorme sucesso. A Claudia é uma super profissional, tanto como atriz tanto como produtora. A forma com que ela lidera o elenco, o exemplo que ela dá de dedicação e paixão pelo seu ofício nos fazem ter orgulho de trabalhar com ela. Eu sou sua fã além de ter o privilégio de ser sua amiga. Reconheço nela a minha geração de atores de teatro musical e tenho muito orgulho de fazer parte dessa história.
B!: Outro ator que vemos ao seu lado em muitos trabalhos é Marcos Tumura. Como se conheceram?
LM: Marcos Tumura tinha trabalhado comigo no musical “Splish-Splash” e já nos admirávamos desde aquela época. É um prazer trabalhar com ele, além de ser um grande ator e um cantor especial, está sempre bem humorado e sempre nos divertimos muito em cena e fora dela. Em “Cabaret” fazíamos o casal que se apaixonava na Alemanha Nazista com idade avançada e resgatava o seu grande amor perdido. Nossas cenas eram comoventes e engraçadas. Foi um presente contracenar com ele em Cabaret. Agora voltamos a trabalhar juntos no Crazy For You e pena que desta vez não contracenamos em conjunto. Já estou com saudades!
B!: Além de atuar em musicais, você também ministra aulas e desenvolveu um método próprio de interpretação. Como surgiu o desejo de ensinar, e como foi criada essa metodologia, focada em atores de musicais?
LM: Sou professora há muitos anos, comecei dando aulas de alongamento no Petit Studio como assistente da minha irmã Rosane Maya. Em seguida comecei a dar aulas de jazz musical para atores no sindicato dos artistas e studios de dança. Com o passar do tempo senti a necessidade de criar um método que reunisse a dança e o canto num treinamento só. Fui morar em Los Angeles e New York por quatro anos e fazendo aulas de canto e dança lá fora, desenvolvi o método “Sing, Move & Breathe“, focando a melhor performance dos atores de musicais. Além de ministrar meu método sou professora regular da Casa de Artes da Laranjeiras, na cadeira Movimento 3 e isso me dá um enorme prazer! Meu desejo de ensinar está ligado a minha paixão pela arte e a vontade de despertar nesses novos artistas que se formam uma nova inspiração, para serem realmente especiais e conscientes de suas missões como artistas.
B!: Quais seu musicais favoritos? Se pudesse escolher um personagem para interpretar, qual seria?
LM: Meus favoritos são: Gypsy, Wicked, Cabaret, Evita, Chicago, Pippin, Annie ….tantos que nem sei. Se pudesse escolher seria a Miss Hunighan, a irresistível bêbada e mal humorada do musical Annie ou a Fastrada, de Pippin. As protagonistas Rose , Evita e Norma Desmond também estão na minha lista de favoritas.
B!: Quais seus planos futuros e o que pode nos adiantar?
LM: Tenho planos de montar um espetáculo musical dos anos 1960 que fez muito sucesso chamado “Radio Stars” com mais duas super atrizes cantoras e banda. Além disso tenho um projeto de comédia incrível chamado “De perto ninguém é normal , de longe também não ” , em que eu e o Marcos Tumura faremos vários personagens hilários. Estamos nos reunindo no final do “Crazy For You” para conseguimos patrocínio ainda esse ano. Além disso tenho um projeto de curso de formação” Iniciação ao Teatro Musical” para atores de musicais em conjunto com a maestrina Beatriz de Luca que terá início em junho deste ano.
B!: Que dica daria para os atores iniciantes em teatro musical?
LM: Eu como professora e artista diria: estudem cada vez mais, se informem sobre teatro, canto e dança e procurem referências no Brasil e lá fora, tenham experiências com profissionais que estejam realmente comprometidos com sua missão e ofício. Neste momento em que o Teatro Musical é uma realidade de sucesso e reconhecimento de público, precisamos formar nas escolas e faculdades novos artistas comprometidos com a responsabilidade e a essência desta palavra “Artista”.
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